2014-10-16 17:00:58 Tribuna da Madeira

É “um chiclete”, “uma chiclete” ou “uma pastilha”? Porquê?

Estava numa aula a tratar de questões relacionadas com a construção das frases e, para resolver um exercício, coloquei uma pergunta a uma estudante, cuja resposta não entendi. Pedi-lhe que repetisse. Explicou-me que tinha “um chiclete” na boca e que ia deitá-lo fora. Em vez de a situação me perturbar, aproveitei-a para a análise linguística que estava a realizar e perguntei se todos os presentes diziam assim ou de outra forma. Ninguém discordou daquela resposta. Então, eu acrescentei que estava habituada a ouvir o feminino: “uma chiclete”. Quis saber se usavam mais termos para designar o mesmo que o nome daquela marca de origem americana, se não me engano. Surgiram “um pirata” e “um gums” (como realização regional). Este estrangeirismo derivará do vocábulo inglês “gum”. Coloquei de novo o problema do feminino: “uma pirata” e “uma gums”? As hesitações foram aparecendo. Para pôr a pensar, perguntei pelo vocábulo usado na norma. Não houve qualquer resposta. Avancei, então, com “pastilha elástica”. Concordaram comigo. Existirão mais sinónimos, como, por exemplo, “gorila”. Porém, persiste a questão do género gramatical destes vocábulos. São femininos ou masculinos? Uma vez a pastilha deitada fora, prossegui com o exercício relacionado com as construções frásicas, mas a questão do género gramatical subsistiu. Reflectir sobre tudo, incluindo detalhes linguísticos como este, é um exercício que aprecio bastante porque coloca problemas que continuarei, aqui, a propor. Isto não significa que saiba tudo ou que o assunto fique, na íntegra, resolvido. Resumidamente, esta questão será do domínio da Lexicologia, da Lexicografia, da Morfologia, da Cultura e dos usos linguísticos. Eu emprego o feminino para os que utilizo, associando-os sempre a “pastilha”. Os vocábulos “chilete” (nome de uma marca) e “gums” (estrangeirismo regional que não é atestado nos vocabulários regionais mais conhecidos), não os uso no quotidiano. Logo, nunca tinha pensado neste assunto, que me parece interessante. Recentemente, numa reportagem histórica, descobri que, no fim da II Guerra Mundial, os soldados americanos introduziram na Europa realidades culturais aí desconhecidas, incluindo a pastilha elástica. Poderá a história ter mais detalhes, mas é incontestável: culturalmente, revela-se bastante recente enquanto produto comercial, embora as substâncias para mastigar possam ser mais antigas. Porventura, as crianças e os jovens apreciam este produto mais do que os adultos, mesmo se alguns também não o dispensam. É o caso de certos treinadores de futebol, por exemplo. Eu tenho uma tendência para fazer bolinhas, quando mastigo alguma pastilha. Esta finalidade (pouco recomendável) vem expressa no nome inglês “bubblegum” que tem “gum” em comum com “chewing gum”. Para a realidade linguística inglesa, o género gramatical não é pertinente, mas é-o para a portuguesa. As línguas não são todas iguais. Que revelarão os dicionários do tira-dúvidas a propósito? Os dicionários do tira-dúvidas revelam algum atraso cultural e não acompanham os usos dos falantes. Nas entradas de “pirata” e “gorila” não vem referida a possibilidade de serem pastilhas elásticas. Então, decidi procurar apenas “chiclete” e “pastilha” para obter uma resposta à minha pergunta. É evidente a diferença entre o Português Europeu e o do Brasil. Os dicionários brasileiros (AURÉLIO e HOUAISS) classificam “chiclete” como masculino (“um chiclete”), havendo a par desse um outro nome também ele masculino (“chicle”). Na referência da ACADEMIA e na do PRIBERAM, “chiclete” é feminino, mas “chicle” tem o género masculino. A PRIBERAM indica a diferença de género entre o Português Europeu e o do Brasil. As restantes obras consultadas (PORTO EDITORA, MACHADO e FIGUEIREDO) não registam “chiclete”. Em contrapartida, todos os dicionários do tira-dúvidas definem “pastilha”, embora nem todos com o sentido de “pastilha elástica”. Estive a falar do assunto com alguém que vive em França. Disse-me que, naquele país, há dois dicionários que são referências incontornáveis: o Larousse e o Robert, faltando obras do género para o Português. Expliquei-lhe que também as tínhamos, sendo, porém, a concorrência mais feroz. Já sabemos que é fácil o que se entende e complexo, ou discutível, o contrário. Portanto, para um provável tira-teimas, nada melhor que um breve tira-dúvidas porque as dúvidas são o primeiro passo, mas não podem ser o último. Por que razão é preferível dizer “pastilha (elástica)” em vez de “chiclete”? Porquê? É porque “pastilha” é o termo mais comum e generalizado, não representando nenhuma marca de produto. Além disso, neste caso, não há dúvidas quanto ao género feminino. Quem quiser empregar “chiclete” tem de se lembrar que o género recomendado para o Português Europeu é o feminino e para o do Português do Brasil é o masculino. É mais uma das diferenças linguísticas entre duas opções culturais distintas. De permeio, nomeadamente nos arquipélagos, derivados de “gum” (“chewing gum” e “bubblegum”) vão ganhando elasticidade e dimensão. No madeirense, “gums” (do género masculino, segundo os estudantes) é o preferido. Aprender não ocupa lugar e a reflexão linguística pode surgir das maiores insignificâncias.

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