2014-10-03 16:17:48 Tribuna da Madeira

É “guardiense” ou “egitaniense”? Porquê?

Ultimamente, falam à saciedade de “mobilidade” e, recentemente, foi o dia europeu sem carro(s), a que o município do Funchal aderiu. Todos os dias, desloco-me a pé pelas ruas do centro citadino funchalense, mas, afastando-me para o trabalho ou as compras, necessito do carro. Então, a rádio é uma excelente companhia de viagem, enquanto conduzo. Entre todas, prefiro as que não têm publicidade. Compreendo a sua utilidade, mas dispenso-a porque, numa rádio, aprecio, acima de tudo, as notícias e os demais programas informativos (entrevista­s, debates, comentários, etc.). Agrada-me a música e saber-me-ia muito bem ouvir mais melodias nacionais a intercalar com o discurso. Recentemente, estava eu a conduzir, deslocando-me para o trabalho, quando, num noticiário, ouço um jornalista falar em “guardiense” para um habitante da cidade da Guarda. Soaram-me, interiormente, alarmes e campainhas. Como? O que é que ele disse? O quê? Não é assim, pois não? Reflectir sobre tudo, incluindo detalhes linguísticos como este, é um exercício que aprecio bastante porque coloca problemas que continuarei, aqui, a propor. Isto não significa que saiba tudo ou que o assunto fique, na íntegra, resolvido. Resumidamente, esta questão será do domínio da Lexicologia, da Lexicografia e da História da Língua. Quem conhecer a Guarda, a “capital” da Beira Alta, saberá que é a cidade “formosa” (para muitos e “feia” para alguns), “farta” e “fria”. O granito, a pedra que mais se encontra por aquela paisagem, dá-lhe em encanto original. Recomendo a visita a quem gostar de passear. Vivi ali durante alguns anos e lembro-me de me contarem que um natural da Guarda é um egitaniense porque, no período da romanização da Península Ibérica, aquela zona era chamada EGITANEA. Faz sentido, mas é preciso saber. Ninguém se lembrará desse nome, se não conhecer a sua origem. Seria mais evidente usar um termo próximo do nome da localidade como em “Funchal” – “funchalense” ou “Porto” – “portuense”. Pela divergência de significante que “egitaniense” evidencia em relação a “Guarda”, haverá uma forte tendência para procurar outros vocábulos. Que revelarão os dicionários do tira-dúvidas a propósito? Seria impensável que um dicionário não atestasse “egitaniense”. Isso acontece com o AURÉLIO. Será, provavelmente por ser brasileiro, mas não é linear, uma vez que há muitos brasileiros com antepassados egitanienses. Aliás, o HOUAISS tem a entrada e, inclusive, a de “guardense” como sinónima. Esta designação (“guardense” – “Guarda”) também figura nas referências portuguesas mais recentes (cf. o dicionário da ACADEMIA, o da PORTO EDITORA e o PRIBERAM), revelando tratar-se de uma nova criação linguística. Esta última referência de “internet” tem mesmo um problema com a existência de “guardense” porque não apresenta qualquer entrada com definição para este vocábulo. As obras mais antigas do tira-dúvidas (o FIGUEIREDO e o MACHADO) não mencionam tal palavra. Curiosamente, o MACHADO é o que faculta mais variantes, inclusive “egitano”, que não ocorre em nenhuma das restantes obras. Neste caso, parece ter alguma relação com “igeditano”. Posto isto, fica claro que nenhum dicionário do tira-dúvidas refere “guardiense” e todos, salvo um, definem “egitaniense”. Embora não subsistam dúvidas quanto a estes, permanecem para “guardense”, que será um neologismo. Já sabemos que é fácil o que se entende e complexo, ou discutível, o contrário. Portanto, para um provável tira-teimas, nada melhor que um breve tira-dúvidas porque as dúvidas são o primeiro passo, mas não podem ser o último. Por que razão o habitante da Guarda é um egitaniense? Porquê? É porque há razões históricas a justificar esta relação linguística. Podemos sempre querer mudar a História, mas não podemos fugir ao nosso passado. Tentar substituir o que é com outras possibilidades não apaga o que somos. Eu não sou egitaniense, mas fui-o durante uns anos, enquanto morei na Guarda. Eu não sou madeirense porque não nasci na Madeira, mas sê-lo-ei enquanto aqui viver. Para mim, a cidade ou a localidade onde cada um vive é a sua “pátria”. Tem, portanto, de cuidar dela. Andar a pé para diminuir o impacto da poluição automóvel pode ser uma solução, a fim de evitar o agravamento deste problema urbano, que se vai intensificando em diversas cidades do mundo. Paris é uma delas. Porém, não o será num dia ou numa semana. Terá de o ser numa vida. Os comportamentos mudam, quando as mentalidades se alteram. Criar palavras para designar o que já tem nome não modifica nada, mesmo ouvindo-se numa rádio.

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